terça-feira, 13 de dezembro de 2011

"aquela madrugada rubro negra"

por andré giusti

Era meia-noite de um sábado quando a pelota rolou do outro lado do mundo, dando início aos 90 minutos mais importantes dos 116 anos do Clube de Regatas do Flamengo. Lembro das mulheres de minha casa achando estranho “ué, futebol sábado, a essa hora?”, e os homens da casa mandando elas irem dormir para que pudéssemos testemunhar em paz a consagração de um dos maiores times de todos os tempos.

Semanas antes, o Flamengo conhecera o inferno na segunda partida da decisão da Libertadores, em que alguns chilenos do Cobreloa “tiveram direito” a jogar com pedra na mão. Perdemos por 1 x 0 e dois dias depois, em Montevidéu, levantamos o caneco em uma das maiores apresentações rubro-negras que guardo na memória. Com gosto de sangue na boca, o Flamengo se vingou da baixaria dos chilenos dando aula de futebol, baile de bola, com direito a apresentação de gala do seu mais perfeito maestro, Zico.

A verdade é que, perto do que o time passou contra o Cobreloa, o jogo contra o Liverpool foi quase um treino de luxo, do tipo suíte real double master vip.

Alguns anos atrás, o Júnior disse em entrevista que quando eles entraram em campo e deram-se as mãos, fazendo a corrente, alguns ingleses olharam aquilo com desprezo e chegaram a ensaiar um risinho de deboche. Pelo o que contou o ‘capacete’, o Liverpool assinou ali a sua sentença de morte. Com o Zico jogando mais do que o tal do Messi joga hoje, e o Nunes metendo gol só de olhar pra bola, os súditos da rainha levaram três no primeiro tempo e saíram de campo zonzos, sem saber mais se seus conterrâneos eram os Beatles ou os Stones.

Com a fatura liquidada, o Flamengo deve ter ficado tocando bola de um lado pro outro. Digo deve porque não lembro nada do segundo tempo, foi como se não houvesse existido. 45 minutos foram suficientes para o Mengão mostrar quem mandava no mundo – e não apenas no futebol brasileiro – e para os ingleses se convecerem de que não tinham como virar o jogo.

Fui para cama pra lá das quatro da manhã, um verdadeiro acontecimento para um moleque de 13 anos (naquela época fedelho só passava da meia-noite no natal e no ano novo). É claro que não dormi. Vaguei nas nuvens até amanhecer aquele domingo ensolarado de quase verão no Rio, domingo que, entre tantos outros, foi certamente o mais rubro-negro da história.

andré giusti é jornalista e escritor
http://www.andregiusti.com.br/


"...e o nunes metendo gol só de olhar pra bola"