sábado, 30 de janeiro de 2010

"grandes jogos contra as velhas freguesias, parte 2", por andré giusti

O Flamengo de 1992 foi mais ou menos como o azarão do ano passado. Ninguém achava que chegaria a algum lugar e, quando acordaram, estávamos levantando o caneco do penta. E foi em cima do nosso mais recente tri-vice.
Os dois jogos da final podem ser considerados um só, porque, como diz aquele locutor-mala, foi uma partida de 180 minutos.
Não me lembro porquê, mas não fui no primeiro jogo. Lembro-me de quase ter caído para trás quando soube do resultado 3 x 0, e nem bem havia terminado o primeiro tempo.
Um baile de bola de Júnior, Nélio e Gaúcho – um dos grandes centroavantes da história do Flamengo – decidiu a fatura a nosso favor. O Botafogo, mais time à época, pelo menos no papel, estava liquidado, tanto é que o Renato Gaúcho, um dos heróis do nosso tetra cinco anos antes, jogou a toalha e foi pro churrasco da rapaziada do Mengão na segunda-feira. O Emil Pinheiro, bicheiro que mandava em General Severiano, queimou a picanha do atacante. Renato nunca mais vestiu a camisa alvinegra. Não ‘tava nem aí.
Na verdade demos o troco do título deles no carioca de 89 (o primeiro que eles ganharam desde a Grécia antiga), quando com Zico, Aldair, Leonardo, etc, tínhamos muito mais time e perdemos.
O segundo jogo da final foi aquele em que a grade do Maracanã despencou e um monte de torcedor foi junto. Morreu gente, foi terrível. Eu estava na arquibancada exatamente na extremidade oposta ao local do acidente. Um de meus sobrinhos, então com treze anos, agarrou meu braço e disse quase sem voz, gelado de pavor: “Tio, o Maracanã ‘tá caindo”.
Não caiu, o jogo atrasou e começou com aquele clima pesado de festa de família em que dois cunhados brigaram feio por causa da marca da cerveja que cada um trouxe. Sei que quando o Flamengo fez o primeiro, corri para a galeria superior da arquibancada (eu estava no último degrau) e gritei até perder o ar. Era um grito de comemoração, mas era também a tensão de todos aqueles momentos explodindo, afinal.
Só pra encerrar: 2 x 2. Primeiro pentacampeão brasileiro.
Voltemos 11 anos no tempo. Eu tinha só 13 anos e meu pai não me deixava ir ao Maraca sozinho. Ele já não curtia mais, achava muito tumulto, e incumbia meu irmão mais velho de carregar a mala do moleque que só tinha Flamengo na cabeça.
Pois não é que meu irmão some em um dos dias mais importantes da história rubro-negra?
Como desse a hora e ele não aparecesse, meu pai se condoeu de minha cara de cachorro chutado pelo dono bêbado. Levantou de repente da poltrona e decretou: “Pega a sua bandeira e vamos lá.”
O velho não ia encarar a “arquiba” e sentamos nas cadeiras, aquelas azuis que ficavam acima da geral. Maior luxo. Diziam que sentar ali dava azar, mas não foi o que aconteceu naquele dia. O primeiro tempo terminou 4 x 0, com a nação de pé pedindo: “Queremos seis! Queremos seis!”.
E o Zicão também queria.
Ouvi no rádio depois do jogo que ele reuniu todo o time no intervalo e exigiu os 6 x 0. Era a chance de ele revidar o sacode que levamos em 72, quando ele era um garoto subindo para o time profissional.
E o time fez o que ele mandou: 6 x 0, com Andrade, o “Tromba”, camisa seis, jogando a pá de cal. Poderia até ter sido sete, oito. Mas o troco tinha que ser na mesma moeda.
Não sei se foi fantasia de criança, mas acho que vi, no final do jogo, um rádio de pilha voar da arquibancada onde estava a torcida do Botafogo.
Para encerrar, 1985. Tínhamos Élder, Edmar e uns outros tantos assim assim. É verdade que também havia o Bebeto, o Mozer (ainda), o Leandro (também ainda) e o Zinho e o Jorginho tirando as fraldas. Mas era um time que não empolgava, meio como asa de frango no churrasco.
Aí o Rução, ícone da torcida alvinegra, disse que o Flamengo se borrava todo quando jogava com o Botafogo. Entupiram o Maracanã de papel higiênico na entrada do time. Levaram tudo de volta para limpar da lembrança aquele jogo. 6 x 1, sendo que eles abriram o placar.
A imagem daquele jogo foi a do Zagallo, que treinava o Mengão, escrevendo com o papel na parede do vestiário o placar do jogo.
Amanhã falo sobre Fla-Flu, e a única vez em que o Zico mandou uma torcida adversária para aquele lugar.

andré giusti é escritor e jornalista
http://www.andregiusti.com.br/blog/

estádio mário filho, rio de janeiro, 19 de julho de 1992