quarta-feira, 3 de março de 2010

"o que eu disse ao zico" (a homenagem do giusti)


A primeira vez que entrevistei o Zico eu era um estagiário bobão da Rádio Manchete AM do Rio de Janeiro. Não sei se era 1988 ou 89, mas sei que eu era bem foquinha mesmo, daqueles que irritam os coroas das redações.
Na falta de alguém mais matreiro, me mandaram cobrir o lançamento de uma campanha de saúde, dessas de combate a mosquito, verme, doença. A tal campanha reunia Xuxa, Ayrton Sena, umas gostosonas de novela... E o Zico.
Antes, só havia visto o Galo de perto na feira de ciência do meu colégio na 5ª série, e assim mesmo no meio de um bando de moleque trocando sopapo pra pegar na mão dele. Portanto, o tonto do foca ficou ainda mais abobalhado quando precisou chegar junto e perguntar, com a voz sumindo na timidez, se ele poderia gravar uma entrevista sobre a campanha.
Dei o play/rec no gravador e mandei, com a voz engolida pela vergonha, a pergunta básica, pergunta de foca se borrando todo na frente do entrevistado famoso: qual a importância da campanha?
Não ouvi uma linha do que o Galo respondeu. O rosto dele era como um telão em que eu revia os gols que foram parte da minha felicidade ao longo de anos.
Ele deve ter ficado algum tempo em silêncio, me olhando, até que eu me desse conta de que a resposta acabara e eu precisava voltar pra terra. Agradeci meio sem agradecer, fiquei engasgado com uma frase que pensei dizer, quase disse, desisti por causa da vergonha e porque outro repórter já o pegara pela gola para gravar outra entrevista.
Fui dizer uns cinco anos depois, em 95. Eu fazia um programa especial sobre o centenário do Flamengo para a Rádio CBN, também do Rio. Já era um repórter bem mais calejado, que não se intimidava com fama de entrevistado. Só que era o Zicão, e fui nervoso para a entrevista, nem tanto pelo trabalho em si, mas porque eu queria ter a oportunidade de dizer o que não consegui da outra vez.
Passei cerca de uma hora com o Galo no escritório dele no centro de treinamento do CFZ. Arranquei depoimentos preciosos para o especial. Profissionalmente, o encontro foi perfeito, mas o moleque que existia dentro de mim queria se meter na história. Zico me levou até a porta conversando amenidades e me estendeu a mão para se despedir. Deixei para o último momento a frase, que era quase uma confissão.
Cara, eu sou Flamengo por causa de duas pessoas.
Eu sorria e apertava sua mão. Sorrindo, Zico sacudiu a cabeça.
Ah, é? Perguntou, cara de quem queria mesmo saber.
Por causa do meu pai e de você.
Seu rosto, que já é avermelhado, ganhou um pouco mais de rubor. Agora, o tímido era ele. Deu aquele riso envergonhado de menino do subúrbio, que tanto conheço porque também sou um.
Gente muito fina, o Galo.

andré giusti é escritor e jornalista
http://www.andregiusti.com.br/blog/